Texto do Nelson Carvalheiro, a quem creio que todos nós devemos um agradecimento. Conheci toda essa gente e deles tenho praticamente as mesmas impressões que o Nelson.
Ao entrar no AR, em
1958, assim como a maioria de meus colegas, tive algumas surpresas, pois não
estava preparado para tantas novidades. Primeiro, havia um professor para cada
disciplina; segundo, os alunos eram tratados como gente grande; terceiro, era preciso
estudar, pois havia provas bimestrais, um exame parcial no meio do ano e os
temidos exames finais – escritos e orais. Quem não era aprovado ainda podia
enfrentar os exames de segunda época, mas essa era uma possibilidade que gerava
mais pânico do que expectativas de salvação.
A maior novidade, para
mim, foi o aprendizado de idiomas. Aqui incluo a disciplina de Português, não
apenas por se tratar da língua pátria, mas também para aproveitar algumas
lembranças frescas após encontro neste último fim de semana, com meu amigo
Laerte Franulovic, o grande Lalá, exímio violonista e dotado de memória
espetacular.
Tive mais de um
professor de Português, não lembro em que ordem: Marilene, Nilza e Sergio. A
Profª Marilene era recém-formada e a Profª Nilza era a gentileza em pessoa. Mas
quem mais se consolidou em minhas lembranças foi o Professor Sergio. Quando ele
entrava na classe, aguardava até que o último e mais distraído aluno se
levantasse, para só então estender sua mão para frente e sinalizar para que todos
sentassem. Ele ensinava sempre com expressão séria e só fazia brincadeiras
quando algum aluno se excedia em desatenção. Ele apontava o aluno, ordenava que
ele se levantasse, perguntava seu nome e fazia uma pergunta sobre a matéria.
Invariavelmente o aluno não tinha resposta e só aí o professor fazia alguma
graça. A mais conhecida era a anotação de um zero para o aluno, que ele chamava
de “rosquinha de leite”. O Laerte lembrou que corria uma lenda na
escola sobre a extensão do preciosismo gramatical e vocabular na vida pessoal
do Professor Sergio: dizia-se que seu filho pequeno, durante o café da manhã em
família, pedia “por favor, papai, passe-me a manteiga, pois dela quero fazer
uso”
O professor de Latim era
o Ariovaldo, temido, mas respeitado. Ele era grandalhão, usava óculos e tinha
uma voz marcante. Às vezes, depois do intervalo grande, quando muitos alunos
começavam a esboçar um pouco de cansaço, ele contava histórias curtas, com
finais surpreendentes e às vezes aterrorizantes, que despertavam todos e davam
novo ânimo para o prosseguimento da aula. Também era comum ele falar de seus
tempos de estudante, quando colocava sua mesa perto da porta, para que seus pés
recebessem a corrente de ar frio e ele se mantivesse desperto. Para ter uma
ideia de como ele era rigoroso, lembrou-me o Laerte, em seu último dia como
professor do AR alguns alunos soltaram fogos em frente ao prédio velho. Quem o
substituiu foi um professor baixinho, de feições asiáticas (na época podia-se
falar que era um japonesinho), cujo nome não recordo. A lembrança que guardo do
Professor Ariovaldo é a de um homem muito competente, que conseguia “tirar
leite de pedra”. Não sei como, mas conseguíamos aprender as declinações e a
conjugação dos verbos, acabando por fazer traduções e versões, embora com algum
sofrimento.
O professor de Francês
era o Marcelino Casagrande, que raramente sorria, mas também se vestia
solenemente e era respeitado pelos alunos. Contou-me o Laerte que os alunos
mais velhos, das classes mais adiantadas, faziam de tudo para deixa-lo
encabulado, perguntando como se falava goiaba, ou jabuticaba em francês. Em
suas aulas, todos os alunos liam em voz alta pequenos trechos do livro. Seu
grau de miopia era elevadíssimo e ele usava óculos com lentes grossas. Nos dias
de prova, quando ele se acomodava em sua mesa e tirava os óculos para um rápido
descanso, essa era a senha para que alguns alunos colassem descaradamente. Nas
minhas férias, eu passava algumas semanas na Praia Grande e encontrava com ele
frequentemente. Ele não tinha a menor cerimônia em mergulhar com seus famosos
óculos presos na cabeça com um elástico.
O curso de Inglês
começou na segunda série e era fantástico, graças ao Professor Gilberto Rizzo.
Tenho certeza de que todos os alunos se surpreenderam ao serem tratados pelo
sobrenome. Ele conseguia controlar a classe com calma e bom humor e era muito
querido pelos alunos. Quando ele saiu da escola, foi substituído pela
Professora Ofélia, que não tinha o mesmo carisma. Lembro que ela nos ensinou
algumas músicas e, quando a maioria perdia a inibição, cantávamos músicas como
You belong to me, My bonnie e Monalisa. Outros alunos tiveram aula com outro
professor, muito fino e educado, conhecido como Dudu.
Ao terminarmos o
ginasial, tínhamos a expectativa de também começar a aprender Espanhol no
colegial, mas seu ensino foi abolido a partir de 1961.
Tive duas professoras de
Matemática no prédio velho. A primeira delas foi a Professora Hortênsia, que
era recém-formada. Ela veio para a escola com grande entusiasmo, a ponto de se
dispor a dar aulas extras em um ou dois dias da semana em que não tínhamos a
última aula. A sala de aula ficava repleta de alunos, pois até mesmo os que não
tinham dificuldades com a disciplina compareciam. Mais tarde, fui aluno da
Professora Graciosa, que não era de brincar, mas era respeitadíssima por todos
os alunos.
Tive dois professores de
Geografia, pois primeiro aprendíamos Geografia Geral e depois Geografia do
Brasil. A professora de Geografia Geral era a Eneida, e dela não guardo nenhuma
lembrança em particular. Mais tarde passamos a ter aulas de Geografia do
Brasil, com o professor Eli Piccolo. Quando ele recomendou o livro que
deveríamos usar, escrito por ele e Renato Stempniewski, todos na classe
explodiram em risadas, por causa do inusitado sobrenome. Recebemos uma severa
admoestação do professor e uma lição importante: qual o sentido de divertir-se
com o nome ou o sobrenome de alguém?
A professora de História
era um dos símbolos do AR: D. Mercedes, uma mulher de pequena estatura, mas
muito competente. Ela era bastante séria e severa, e conseguia prender a
atenção dos alunos com maestria. Conversávamos bastante, pois ela ia com alguma
frequência até minha casa para deixar livros velhos para restaurar e
encadernar. Meu pai tinha uma pequena oficina nos fundos da casa e eu atendia
as pessoas que o procuravam com livros em mau estado de conservação. Como
éramos conhecidos, muitos me chamavam de “queridinho” da D. Mercedes; isso não
impediu que em certa ocasião ela me flagrasse colando e me desse nota zero em
uma prova. Mais tarde, no primeiro ano do colegial tive aulas de História Geral
com a competente Professora Vera, que considero a grande responsável por
cultivar em mim o hábito de ler e estudar.
Por fim, tive o
privilégio de conhecer o Professor Durvalino, que dava aulas de Trabalhos
Manuais para os meninos e era o substituto do Diretor, Professor Benedito
Ferreira de Albuquerque (conhecido como “Ditão”). O filho do Ditão chamava-se
Ciro e era meu colega de classe. Ele era um aluno comportadíssimo. Algum dia
vou contar uma história de uma “guerra” de giz que rendeu uma suspensão
generalizada a todos os alunos, menos ao Ciro, inocentado por todos os
guerreiros da classe.
Tive outros professores
cujo nome não lembro, como os de Ciências e Desenho. As poucas lembranças que
guardo deles eram a de serem pessoas sérias, dedicadas e discretas.
Estejam onde estiverem,
todos esses mestres merecem ser lembrados com histórias melhores do que as
minhas. Não tenho dúvidas de que, para muita gente, eles tiveram grande
importância no rico ritual de passagem da infância, e mesmo da adolescência,
para a vida adulta.