O “prédio velho” ainda guarda a mesma forma de antes, creio eu. Eram
três corpos, um deles apontando para o que considerávamos a entrada principal,
que ficava na esquina da Rua do Ouro com a Tuiuti. O piso, embaixo desse corpo,
era cimentado. O resto era terra batida. Era ali que se realizava a maior parte
das solenidades escolares.
Naquele tempo, o professor Sérgio Correia, um dos símbolos do corpo
docente, sempre escolhia uma aluna para declamar um poema. Um dia, uma colega cujo nome não vou revelar (se estiver lendo isto
e quiser se apresentar, esteja à vontade), foi declamar o Pequenino
Morto de Vicente de Carvalho, um poema longo e lúgubre.
A maioria do pessoal não gostava de declamação e a atenção foi se dispersando
por pensamentos mais alegres e agradáveis do que o tema da poesia.
De repente, um silêncio total: a declamadora tinha parado sem chegar ao
fim. Tinha se esquecido do fim, tentou recomeçar, não conseguiu. Coberta de
vergonha, fugiu às carreiras. Sérgio Correia, o grande Sérgio Correia, temido e
odiado por sua ironia que muitos consideravam arrogância, respeitado por sua
grande competência, levantou e foi atrás da declamadora, levando consigo uma
das inspetoras de alunos.
Mesmo os que não gostavam da declamadora, achavam a poesia horrível e
detestavam declamação em geral ficaram constrangidos. Muito ruim ver uma colega
naquela situação.
O diretor, o famoso e temido Benedito Ferreira de Albuquerque, disse
qualquer coisa e prosseguiu com a solenidade. Falou não me lembro quem e, logo
em seguida, reapareceu a declamadora, olhar refulgente, escoltada pelo Sérgio
Correia. Sérgio pediu a palavra, com voz firme, que a aluna ia declamar de
novo. Silêncio na audiência. A colega deu dois passos, e recomeçou, ainda mais
dramática que na primeira vez. Mas foi até o fim.
Acho que nunca ninguém foi tão aplaudido em uma solenidade quanto ela.
Mesmo os que detestavam a declamação em geral e tinham detestado aquela poesia
em particular, aplaudiram. A menina, emocionada agradeceu. Se fosse hoje, teria
dado um merecido beijo no Sérgio.
Nunca soube exatamente o que tinha acontecido, mas parece que a
inspetora de alunos encontrou a colega se debulhando em lágrimas num banheiro e
a convenceu a conversar com o Sérgio, que a esperava na porta. O professor lhe
deu uma injeção de coragem, persuadiu a moça de que ela ia conseguir na segunda
tentativa, usando não sei de que argumentos.
E ela conseguiu.
Antes que me corrijam: o Sérgio não se assinava assim. Mas a norma
ortográfica diz que os vivos são citados com o nome grafado como eles o usam,
os mortos são citados com seu nome grafado como manda a ortografia vigente. Não
vou cometer um erro de ortografia justamente no nome de nosso mestre.
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