Havia só um aluno negro no Ascendino, quando entrei. Com o
tempo, apareceram mais uma ou duas "pessoas de cor", como se dizia na época. Havia pouquíssimos negros no Tatuapé, acho
que até hoje a situação é a mesma. Curiosamente, o diretor, professor Benedito
Ferreira de Albuquerque era negro. Negro retinto, sem uma mácula de branco.
Todos achavam aquilo muito estranho, imagine, preto diretor de escola! Mas eram
coisas ditas a boca pequena. Embora muitos não aprovassem muito a ideia, já era
considerado falta de educação reclamar de um negro que tinha um comportamento
irrepreensível.
Porque o Ditão era irrepreensível.
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Benedito Ferreira de Albuquerque |
Fisicamente, era uma estátua. Alto, forte, espaduado com um
rosto bonito. Sempre bem barbeado e com um grosso bigode perfeitamente aparado.
Sempre vestia as roupas severas que achava apropriadas ao seu cargo: terno
cinza-chumbo, camisa branca e gravata azul ou cinzenta.
Roupas severas para um homem severo, um tanto intolerante.
Seguia à risca os regulamentos, que conhecia de cor. Não tolerava infrações.
Quando perdoava algum pecado menor, antes de conceder seu perdão, explicava exatamente
que dispositivo legal ou regulamentar lhe permitia o ato magnânimo e, ainda, de
quebra, citava meia dúzia de autores que aconselhavam a liberalidade em casos
como aquele. Era um homem que não brincava em serviço.
Era um trabalhador incansável. A porta de seu gabinete
estava sempre aberta e ele sempre escrevendo, salvo quando decidia sair para
uma ronda. Escrevia tanto que tinha um calo visível no dedo médio da mão direita.
Atingiu o cargo de carreira mais alto da Secretaria da Educação do Estado de
São Paulo. No seu carimbo, havia uma linha extra, dizendo que era “isento de
inspeção federal”.
Tinha especial horror à mistura entre os sexos. As mulheres usavam
a escada da Rua do Ouro, os homens, a escada da Rua Tuiuti e as classes mistas
só eram formadas quando impossível formar classes separadas.
Nos bailes pró-formatura, aparecia acompanhado de esposa e
filho, um adolescente que tinha herdado os bonitos traços do pai e que estudava
no próprio colégio.
Não parecia ser um homem feliz. Sabe-se que tirou a própria
vida. Há ao menos duas versões, muito divergentes, sobre as razões. Prefiro não
enodoar a memória dele especulando a respeito de informações sobre as quais não
tenho certeza.
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