Saturday, September 8, 2012

Benedito Ferreira de Albuquerque


Havia só um aluno negro no Ascendino, quando entrei. Com o tempo, apareceram mais uma ou duas "pessoas de cor", como se dizia na época. Havia pouquíssimos negros no Tatuapé, acho que até hoje a situação é a mesma. Curiosamente, o diretor, professor Benedito Ferreira de Albuquerque era negro. Negro retinto, sem uma mácula de branco. Todos achavam aquilo muito estranho, imagine, preto diretor de escola! Mas eram coisas ditas a boca pequena. Embora muitos não aprovassem muito a ideia, já era considerado falta de educação reclamar de um negro que tinha um comportamento irrepreensível.

Porque o Ditão era irrepreensível.

Benedito Ferreira de Albuquerque


Fisicamente, era uma estátua. Alto, forte, espaduado com um rosto bonito. Sempre bem barbeado e com um grosso bigode perfeitamente aparado. Sempre vestia as roupas severas que achava apropriadas ao seu cargo: terno cinza-chumbo, camisa branca e gravata azul ou cinzenta.

Roupas severas para um homem severo, um tanto intolerante. Seguia à risca os regulamentos, que conhecia de cor. Não tolerava infrações. Quando perdoava algum pecado menor, antes de conceder seu perdão, explicava exatamente que dispositivo legal ou regulamentar lhe permitia o ato magnânimo e, ainda, de quebra, citava meia dúzia de autores que aconselhavam a liberalidade em casos como aquele. Era um homem que não brincava em serviço.

Era um trabalhador incansável. A porta de seu gabinete estava sempre aberta e ele sempre escrevendo, salvo quando decidia sair para uma ronda. Escrevia tanto que tinha um calo visível no dedo médio da mão direita. Atingiu o cargo de carreira mais alto da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. No seu carimbo, havia uma linha extra, dizendo que era “isento de inspeção federal”.

Tinha especial horror à mistura entre os sexos. As mulheres usavam a escada da Rua do Ouro, os homens, a escada da Rua Tuiuti e as classes mistas só eram formadas quando impossível formar classes separadas.

Nos bailes pró-formatura, aparecia acompanhado de esposa e filho, um adolescente que tinha herdado os bonitos traços do pai e que estudava no próprio colégio.

Não parecia ser um homem feliz. Sabe-se que tirou a própria vida. Há ao menos duas versões, muito divergentes, sobre as razões. Prefiro não enodoar a memória dele especulando a respeito de informações sobre as quais não tenho certeza.

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