Tuesday, October 9, 2012

Primeiras impressões




Texto do Nelson Carvalheiro, a quem creio que todos nós devemos um agradecimento. Conheci toda essa gente e deles tenho praticamente as mesmas impressões que o Nelson.


Ao entrar no AR, em 1958, assim como a maioria de meus colegas, tive algumas surpresas, pois não estava preparado para tantas novidades. Primeiro, havia um professor para cada disciplina; segundo, os alunos eram tratados como gente grande; terceiro, era preciso estudar, pois havia provas bimestrais, um exame parcial no meio do ano e os temidos exames finais – escritos e orais. Quem não era aprovado ainda podia enfrentar os exames de segunda época, mas essa era uma possibilidade que gerava mais pânico do que expectativas de salvação.

A maior novidade, para mim, foi o aprendizado de idiomas. Aqui incluo a disciplina de Português, não apenas por se tratar da língua pátria, mas também para aproveitar algumas lembranças frescas após encontro neste último fim de semana, com meu amigo Laerte Franulovic, o grande Lalá, exímio violonista e dotado de memória espetacular.

Tive mais de um professor de Português, não lembro em que ordem: Marilene, Nilza e Sergio. A Profª Marilene era recém-formada e a Profª Nilza era a gentileza em pessoa. Mas quem mais se consolidou em minhas lembranças foi o Professor Sergio. Quando ele entrava na classe, aguardava até que o último e mais distraído aluno se levantasse, para só então estender sua mão para frente e sinalizar para que todos sentassem. Ele ensinava sempre com expressão séria e só fazia brincadeiras quando algum aluno se excedia em desatenção. Ele apontava o aluno, ordenava que ele se levantasse, perguntava seu nome e fazia uma pergunta sobre a matéria. Invariavelmente o aluno não tinha resposta e só aí o professor fazia alguma graça. A mais conhecida era a anotação de um zero para o aluno, que ele chamava de “rosquinha de leite”.  O Laerte lembrou que corria uma lenda na escola sobre a extensão do preciosismo gramatical e vocabular na vida pessoal do Professor Sergio: dizia-se que seu filho pequeno, durante o café da manhã em família, pedia “por favor, papai, passe-me a manteiga, pois dela quero fazer uso”

O professor de Latim era o Ariovaldo, temido, mas respeitado. Ele era grandalhão, usava óculos e tinha uma voz marcante. Às vezes, depois do intervalo grande, quando muitos alunos começavam a esboçar um pouco de cansaço, ele contava histórias curtas, com finais surpreendentes e às vezes aterrorizantes, que despertavam todos e davam novo ânimo para o prosseguimento da aula. Também era comum ele falar de seus tempos de estudante, quando colocava sua mesa perto da porta, para que seus pés recebessem a corrente de ar frio e ele se mantivesse desperto. Para ter uma ideia de como ele era rigoroso, lembrou-me o Laerte, em seu último dia como professor do AR alguns alunos soltaram fogos em frente ao prédio velho. Quem o substituiu foi um professor baixinho, de feições asiáticas (na época podia-se falar que era um japonesinho), cujo nome não recordo. A lembrança que guardo do Professor Ariovaldo é a de um homem muito competente, que conseguia “tirar leite de pedra”. Não sei como, mas conseguíamos aprender as declinações e a conjugação dos verbos, acabando por fazer traduções e versões, embora com algum sofrimento.

O professor de Francês era o Marcelino Casagrande, que raramente sorria, mas também se vestia solenemente e era respeitado pelos alunos. Contou-me o Laerte que os alunos mais velhos, das classes mais adiantadas, faziam de tudo para deixa-lo encabulado, perguntando como se falava goiaba, ou jabuticaba em francês. Em suas aulas, todos os alunos liam em voz alta pequenos trechos do livro. Seu grau de miopia era elevadíssimo e ele usava óculos com lentes grossas. Nos dias de prova, quando ele se acomodava em sua mesa e tirava os óculos para um rápido descanso, essa era a senha para que alguns alunos colassem descaradamente. Nas minhas férias, eu passava algumas semanas na Praia Grande e encontrava com ele frequentemente. Ele não tinha a menor cerimônia em mergulhar com seus famosos óculos presos na cabeça com um elástico.

O curso de Inglês começou na segunda série e era fantástico, graças ao Professor Gilberto Rizzo. Tenho certeza de que todos os alunos se surpreenderam ao serem tratados pelo sobrenome. Ele conseguia controlar a classe com calma e bom humor e era muito querido pelos alunos. Quando ele saiu da escola, foi substituído pela Professora Ofélia, que não tinha o mesmo carisma. Lembro que ela nos ensinou algumas músicas e, quando a maioria perdia a inibição, cantávamos músicas como You belong to me, My bonnie e Monalisa. Outros alunos tiveram aula com outro professor, muito fino e educado, conhecido como Dudu.

Ao terminarmos o ginasial, tínhamos a expectativa de também começar a aprender Espanhol no colegial, mas seu ensino foi abolido a partir de 1961.

Tive duas professoras de Matemática no prédio velho. A primeira delas foi a Professora Hortênsia, que era recém-formada. Ela veio para a escola com grande entusiasmo, a ponto de se dispor a dar aulas extras em um ou dois dias da semana em que não tínhamos a última aula. A sala de aula ficava repleta de alunos, pois até mesmo os que não tinham dificuldades com a disciplina compareciam. Mais tarde, fui aluno da Professora Graciosa, que não era de brincar, mas era respeitadíssima por todos os alunos.

Tive dois professores de Geografia, pois primeiro aprendíamos Geografia Geral e depois Geografia do Brasil. A professora de Geografia Geral era a Eneida, e dela não guardo nenhuma lembrança em particular. Mais tarde passamos a ter aulas de Geografia do Brasil, com o professor Eli Piccolo. Quando ele recomendou o livro que deveríamos usar, escrito por ele e Renato Stempniewski, todos na classe explodiram em risadas, por causa do inusitado sobrenome. Recebemos uma severa admoestação do professor e uma lição importante: qual o sentido de divertir-se com o nome ou o sobrenome de alguém?

A professora de História era um dos símbolos do AR: D. Mercedes, uma mulher de pequena estatura, mas muito competente. Ela era bastante séria e severa, e conseguia prender a atenção dos alunos com maestria. Conversávamos bastante, pois ela ia com alguma frequência até minha casa para deixar livros velhos para restaurar e encadernar. Meu pai tinha uma pequena oficina nos fundos da casa e eu atendia as pessoas que o procuravam com livros em mau estado de conservação. Como éramos conhecidos, muitos me chamavam de “queridinho” da D. Mercedes; isso não impediu que em certa ocasião ela me flagrasse colando e me desse nota zero em uma prova. Mais tarde, no primeiro ano do colegial tive aulas de História Geral com a competente Professora Vera, que considero a grande responsável por cultivar em mim o hábito de ler e estudar.

Por fim, tive o privilégio de conhecer o Professor Durvalino, que dava aulas de Trabalhos Manuais para os meninos e era o substituto do Diretor, Professor Benedito Ferreira de Albuquerque (conhecido como “Ditão”). O filho do Ditão chamava-se Ciro e era meu colega de classe. Ele era um aluno comportadíssimo. Algum dia vou contar uma história de uma “guerra” de giz que rendeu uma suspensão generalizada a todos os alunos, menos ao Ciro, inocentado por todos os guerreiros da classe.

Tive outros professores cujo nome não lembro, como os de Ciências e Desenho. As poucas lembranças que guardo deles eram a de serem pessoas sérias, dedicadas e discretas.

Estejam onde estiverem, todos esses mestres merecem ser lembrados com histórias melhores do que as minhas. Não tenho dúvidas de que, para muita gente, eles tiveram grande importância no rico ritual de passagem da infância, e mesmo da adolescência, para a vida adulta.







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