Tuesday, July 31, 2012

Convivências



Mais uma participação do Nelson Carvalheiro. Além de agradecer, só posso dizer que me lembro da história, que estava lá e que vi o que foi feito da "arma do crime". Mais, não digo. Meus lábios estão selados. 


Cursei o ginásio no prédio velho de 1958 a 1961 e me acostumei rapidamente a ir para a escola à noite. No intervalo grande, uma espécie de “footing” desordenado acontecia em volta de um pequeno jardim central com bancos. Ao lado dos muros baixos do colégio também havia alguns lugares para sentar e era lá que muitos alunos acabavam se reunindo para conversar, rir e mesmo fumar, o que era proibido e fiscalizado por alguns inspetores.

Nos quatro anos que passei naquele prédio nunca vi uma briga, embora de vez em quando soubesse de ameaças – quase sempre feitas por pretendentes rejeitados. Os que tinham namoradinhas eram os principais alvos de algumas rixas, mas nada de concreto ocorria. Mas certa vez os que estavam naquele espaço de convivência testemunharam uma grande encrenca. Ninguém conhece a história com exatidão, exceto seus protagonistas, mas não custa passar adiante a versão que ficou em minha lembrança.

Um garoto mais velho que estudava na minha classe saíra com a namorada durante um intervalo maior, aproveitando a ausência de algum professor. A alguns quarteirões da escola, mais para as bandas do famoso Sampaio Moreira, alguns garotos também mais velhos falaram algumas gracinhas para eles. Naquele tempo, qualquer palavra mais forte era uma ofensa, principalmente na frente das mulheres. O rapaz reagiu prontamente, pois era valente e não se dispunha a levar desaforo para casa. Após alguma discussão, desafiou o mais velho deles – o temido Dedé – para uma briga mano a mano, mas primeiro se propôs a levar a namorada para a escola.

O casal foi seguido de perto pelos garotos que o provocaram. Ao chegar à escola, o rapaz empurrou a namorada pelo portão e se voltou para enfrentar o desafeto. Entretanto, pressentindo que seria presa fácil para aquele grupo, que se aproximou agressivamente, sacou uma tesourinha que sempre carregava no bolso, dessas de cortar unhas, e não teve dúvidas – enfiou-a no corpo do primeiro que chegou perto dele. A correria que se seguiu despertou a atenção de quem estava dentro da escola e só então foi possível perceber que alguma coisa anormal estava acontecendo. Só me lembro de ver umas quatro pessoas carregando o Dedé com a barriga suja de sangue.

O rapaz voltou para a escola e em altos brados reclamava que ninguém o ajudara. Não adiantou falar que era impossível saber o que estava acontecendo, pois todos os alunos estavam usufruindo o recreio. Mesmo assim, transtornado, o rapaz continuou reclamando que fora abandonado pelos amigos, queixando-se a todos que se aproximavam dele.

No final da noite, quando as aulas terminaram, eu e dois colegas fomos os últimos a sair da escola, pois morávamos praticamente em frente a ela e não tínhamos pressa. Em frente ao portão estava o Biluca, completamente bêbado, querendo saber quem tinha “furado” seu irmão. Apesar de ele ser bem mais velho que eu, éramos conhecidos. Ele era par constante (assim eram chamados os casais que sempre dançavam juntos) de uma moça chamada Maria e podia ser encontrado quase todas as noites de junho nas festas juninas promovidas por um clube de bocha que existia na Rua Fernandes Pinheiro, na esquina com a avenida que seria transformada na Radial Leste.

O Biluca era um bailarino de fazer inveja, mas naquela noite quase não conseguia dar um passo sem ajuda. Chorando, ele falava o tempo todo que, no hospital para onde fora levado, seu irmão reclamara aos prantos que ninguém o ajudara. Com muito custo, explicamos a ele que quem necessitara de ajuda era o outro, pois o Dedé estava acompanhado por uma turma e eles certamente teriam massacrado o rapaz. Depois de muita conversa ele se conformou e foi embora sozinho, recusando-se a receber auxílio para caminhar.

Felizmente o caso não teve consequências mais sérias. Nenhum órgão vital do Dedé foi atingido e alguns pontos foram suficientes para estancar a hemorragia e fechar o ferimento. Ninguém se queixou à Polícia e o caso foi “arquivado” naturalmente. Mesmo assim, o assunto ainda repercutiu durante algum tempo e todos os casais de namorados passaram a evitar aquele território dominado pelo Dedé.

Hoje, lembrando o ocorrido, percebo que naquela noite comecei a aprender uma lição importante sobre o comportamento humano: como é estranha essa mania de reclamar que ninguém nos ajudou quando mais precisávamos! É como transferir para os outros a responsabilidade por aquilo que fizemos ou deixamos de fazer!

Sunday, July 22, 2012

Acerto de Contas




Artigo enviado por Nelson Carvalheiro, a quem agradeço. 


Na velha Rua do Ouro, que começava na Rua Tuiuti, havia nas proximidades do AR uma padaria, a papelaria do pai do Washington, um bazar e, na esquina com a Rua Cel. Luis Americano, uma oficina de conserto de sapatos.

Nesse pequeno trecho, com algumas poucas residências, quase todos os dias, em geral no final da tarde, um grupo de adolescentes jogava futebol com uma bola pequena. Quando algum veículo se aproximava, alguém gritava e a brincadeira parava imediatamente, reiniciando logo depois. O mesmo acontecia quando alguém passava pela calçada.

Num belo sábado, um pouco antes do anoitecer, surgiu na calçada um casal de namorados e o jogo parou. Um dos meninos, franzino, mas metido a valente, e muito chegado a brincadeiras, reconheceu o rapaz e começou a gritar.

– Sai prá lá Juventino, aprende a jogar bola!

Ninguém sabe como mas, em vez de ficar parada, a bola voou lentamente na direção da calçada. Para azar de todos, ela bateu nas pernas da garota, deixando uma mancha escura em sua saia. Não foi nada grave, mas todos gritaram com o provável autor do feito e alguns se apressaram a pedir desculpas à moça. O rapaz não disse nada, mas fuzilou com os olhos o suspeito da proeza.

Na segunda-feira à noite, alguns daqueles jovens estavam na sala de aula localizada no andar térreo, à esquerda de quem entrava no prédio pela porta principal, aguardando a chegada do professor de Trabalhos Manuais. Antes de ele chegar, entrou na classe o Antonio Carlos, o “Nenê”, rastreando a sala com os olhos, procurando alguém.

O Nenê era um pouco mais velho que a maioria dos alunos daquela classe e tinha uma altura também acima da média. Ele havia conhecido a moça havia pouco tempo e era a primeira vez que estavam saindo juntos. Naquele tempo, era comum que os casais de namorados passeassem juntos pelas ruas do bairro, sem temer grandes ameaças a sua segurança.

Ninguém se importou com a chegada do Nenê, até que ele visse o perna-de-pau, caminhasse em sua direção, ficasse em sua frente e o pegasse pelos braços, levantando-o.

– Moleque! Safado! Quem é o Juventino? Quem?

Vermelho, segurando o infeliz, ele se aproximou de um armário, ao lado da porta, e o colocou sentado no tampo, a quase dois metros de altura. Assustado e humilhado, o garoto implorava pelo socorro de seu carrasco, enquanto este se dirigia para um lugar no fundo da sala, indiferente, saboreando antecipadamente o desfecho de sua vingança.

– Me põe no chão, o professor vai chegar!

Quando o Professor Durvalino entrou na sala, todos os alunos se levantaram, como de praxe. Ele olhou para o topo do armário e dirigiu-se à sua mesa. Antes de sentar, encarou o aluno, olhos de quem começava a se divertir com a cena.

– O que você está fazendo aí?

A classe explodiu numa gargalhada. O professor olhou para a turma e apontou o dedo para o aluno mais alto, exatamente o Antonio Carlos, praticamente adivinhando quem teria sido o autor da proeza.

– Você aí, Antonio Carlos, faça o favor de tirar o moleque de cima do armário!

Todos ficaram em silêncio enquanto o pedido era atendido, mas os sorrisos irônicos do Professor Durvalino e do Nenê indicaram que justiça fora feita. O professor mandou todos os alunos sentarem e iniciou a aula, como se nada houvesse acontecido.


Friday, July 20, 2012

Um filme pornô

O prédio tinha um zelador, José Lourenço da Silva, se não me engano. Por algum motivo, ganhou o apelido de Tangerina. De dia, consertava rádios, de noite era zelador do Ascendino, onde tinha, entre outras, a função de tocar a campainha do sinal. Habilidoso, responsável e posudo, gostava de mostrar sua autoridade.

Um dia, o colégio recebeu um projetor de filmes, usado, de vez em quando, pelo Dr. Grecchi, para exibir alguns dos poucos filmes científicos que havia disponíveis.

Um dia, lá para 1958, fui convidado para assistir uns filmes, digamos, não acadêmicos, numa sessão particular. Numa manhã de sábado, quando o Grupo Escolar não tinha aula, sorrateiramente entramos pela porta principal, que ficava no bloco médio do prédio, onde estavan as áreas administrativas. Dava para um corredor de distribuição, no qual havia duas portas para o chamado salão nobre. Do lado direito do salão nobre, havia um corredorzinho, creio que com uns banheiros, mas que era usado como almoxarifado. Ali, nos reunimos, uns oito ou dez felizardos, para assistir a paleofilmes pornô.

O seu José iria ser o projecionista. Não sei quem arranjou os filmes. Entramos lá, fechou-se a porta, com a assistência sentada no chão. O projetor, em cima de uma mesinha. O Tangerina dizendo que ali só ele podia fumar, porque era perigoso queimar o filme. Fumou o tempo todo, um cigarro atrás do outro, mais par se exibir do que por qualquer outro motivo.

Naquela época, essas coisas eram muito complicadas. A revista Playboy só entrava de contrabando, havia os catecismos do Carlos Zéfiro, essas coisas. Mas era pouco, raro e, geralmente, ruim. Um filme, um filme! Meu Deus, sexo ao vivo, num filme!

Grande decepção. Os filmes, porque eram vários, eram horríveis. Coisas, creio eu, da década de vinte,  pouco nítidos, tremidos, piscando, cortados e colados mil vezes. Mas ridículos que eróticos.

Mas, enfim, era o que havia.


O primeiro prédio

Nosso primeiro prédio foi o do Congonhas, oficialmente Grupo Escolar "Visconde de Congonhas do Campo". Um grupo escolar atendia somente do primeiro ao quarto ano primários, normalmente cursados pela pimpolhada de 7 a 11 anos. De noite, virava ginásio, porque faltavam prédios para as escolas. Mesmo o Grupo Escolar estava lotado a mais não poder: três turnos de três horas, 8-11, 11-14, 14-17. O absurdo de se imaginar que era possível alguém esvaziar uma escola às 11 da manhã e tê-la cheia às 11 horas da mesma manhã, com outras quatrocentas crianças é só superado pelo absurdo de ter crianças estudando três horas na hora do almoço.

Nossas aulas iam das 18h50 às 22h20. Na hora do recreio ou intervalo grande, de quinze minutos, abriam-se os portões para comprarmos algo de comer na padaria do Ouro, porque não havia cantina. Muitos traziam lanche de casa.

Mas o pior eram as carteiras. Ah, as carteiras! Como o prédio tinha sido mobiliado para crianças de 7-11/12 anos, as carteiras eram muito pequenas, deste modelo
Se você nunca viu nada assim, é bom saber que essa era a carteira de meio de fila. Um aluno sentava no banco e escrevia na mesa da carteira da frente. A primeira carteira da fila não tinha banco, a última não tinha mesa. Embaixo da mesa, havia uma prateleira, para guardar livros e cadernos que não estivessem em uso. Ficava, portanto muito pouco espaço para as pernas dos alunos, que estavam todo já na adolescência.

Dois outros problemas agravavam a situação. Primeiro que, naquela época, era comum o pessoal parar os estudos no fim do primário e retomar lá pelos 15-16 anos.  Na quarta série, já tinham lá seus 20. Imagine, um homem de vinte na carteira de uma criança de 11 anos. O segundo era o das mulheres, que usavam saia e precisavam manter os joelhos juntos o tempo todo e, portanto não podiam sentar escarranchadas, com uma perna para cada lado da carteira. Cavalgavam de silhão, por assim dizer.

Sunday, July 15, 2012

A primeira vez que ouvi falar em "Ascendino Reis"

A primeira vez que ouvi falar em "Ascendino Reis" foi em junho de 1954. Porque a escola em que eu ingressei era o Ginásio Estadual do Tatuapé e assim dizia na caderneta escolar.

O nome deve ter sido mudado no primeiro semestre de 1954. Descobri em junho, durante as provas parciais. Porque todo ano, em junho e novembro, havia as temidas "primeiras provas parciais", que a gente chamava "exames de junho". Temidas porque tinham peso maior no cômputo da média final do ano.

As provas parciais eram feitas em papel timbrado, fornecido pelo governo do Estado e os alunos tinham de preencher com seus nomes, números, identificação da série cursada e nome do estabelecimento. Eu estava na primeira série "D" e a primeira prova para nós foi Geografia, matéria ensinada pelo professor Eli Piccolo, um sujeito muito competente e formal, e normalmente de bom humor. Como era primeira vez que fazíamos aquilo, coube ele a tarefa de nos ensinar a preencher o cabeçalho (e, por falar nisso, ensinar aos menos letrados que era "cabeçalho" não "cabeçário". Então, nos explicou, metodicamente, como era seu hábito, que era para escrever "Ginásio Estadual, abre aspas, Professor Ascendino, escrito com esse e depois cê, Reis fecha aspas". 

Achei o nome ridículo. Como alguém pode se chamar Ascendino? 

Depois, com a criação do curso Científico, a escola passou a chamar-se Colégio Estadual "Professor Ascendino Reis". Mais tarde, não sei quando, virou Colégio Estadual e Escola Normal "Professor Ascendino Reis" . Depois, recebeu o nome de Instituto de Educação "Professor Ascendino Reis" e aí perdi a pista.

Em algum momento, houve outro Ginásio Estadual do Tatuapé, mas é bem posterior.